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Sísifo na Planície

Pranchas originais do livro The End of Madoka Machina

André Pereira (1987)
21 de Janeiro – 4 de Março de 2023


A exposição de André Pereira, que agora se apresenta na Tinta nos Nervos, reúne um significativo conjunto de pranchas de banda desenhada do livro The End of Madoka Machina, que congrega, num só volume, os vários fascículos da mini-série original, juntando-lhes alguns capítulos inéditos e exclusivos para a nova edição.

Madoka Machina acompanha a relação amorosa de uma tríade de jovens adultos que se tenta integrar numa sociedade dominada pela tecnologia e uniformizada pelo acesso à internet. Uma visão paralela de um futuro demasiado actual, fabricada através da combinação de uma figuração antropomórfica, interrogações existencialistas e uma geometria arquitectónica dos espaços que remete para o registo virtual dos jogos electrónicos.  

Ao núcleo central das pranchas expostas, acrescem os esboços preparatórios e pranchas de outras histórias que, não integrando a narrativa do livro, esboçavam já as personagens que haviam de figurar na saga que agora se publica na íntegra.  

THE END OF MADOKA MACHINA

“Comecei a escrever aquilo que viria a tornar-se este livro algures em 2015. Na altura, queria começar a escrever histórias curtas em torno de um elenco de personagens fixo, articulando--as umas com as outras consoante as necessidades. Na prática, o plano era ir contribuindo com estas histórias curtas para várias publicações independentes e, mais tarde, compilá-las a todas num único volume. Cada uma das histórias transformar-se-ia, então, num capítulo de uma narrativa maior, não necessariamente fechada, cujo conjunto se leria menos como uma trama estruturada e mais como um panorama geral sobre a vida de umas quantas personagens.

A primeira publicação para onde produzi uma história do Madoka Machina foi o zine antológico Carne e Osso, coordenado pelo Marco Mendes e pela Sofia Neto; foi para lá que desenvolvi o que se tornou no capítulo de abertura, em que apenas se alude à protagonista, Leonor, sem nunca a revelar. As histórias seguintes, que já andava a planificar em meados de 2015, seriam sobre ela e submetê-las-ia a outras publicações (provavelmente zines) (…) quando o Rui Brito me convidou para publicar qualquer coisa pela Polvo acabei por reformular o meu plano para o Madoka Machina, propondo a publicação de uma mini-série em seis fascículos. A história acabou por se concretizar nesses seis números, de 16 páginas cada, que saíram de seis em seis meses, entre Setembro de 2015 e Maio de 2018. (…) A autonomia narrativa dos capítulos verteu-se principalmente na composição das pranchas, que organizei segundo diferentes grelhas, caso a caso. O esboço de cada capítulo de Madoka Machina começou sempre por testar as possibilidades rítmicas dessas grelhas, procurando a mais indicada para explorar o tema central de cada episódio. (…)

Imagino que a origem do título da minissérie não tenha passado despercebida a muita gente: é uma brincadeira com o título de um anime-fenómeno de 2011, Puella Magi Madoka Magica, a que assisti em 2014. É uma ligação bastante superficial e justifica-se, em grande medida, pela minha dificuldade em dar nomes às coisas. (…) Sempre me fascinaram os cenários onde tinham lugar as contendas desses animes: paisagens mágicas, escavadas pela força das ansiedades e dos desejos humanos, que ali se manifestavam fisicamente sob a forma de fenómenos atmosféricos ou geológicos, capazes de modelar a geografia à sua imagem. Achei que o Madoka do título convocava imediatamente esse universo, libertando o Machina para se lançar a outro domínio que me interessava explorar: o da tecnologia; em particular, o modo como submerge todas as interacções sociais, laborais e amorosas.

(…) O facto de as personagens serem funny animals (…) não tem muito que saber: o período em que concebi a minissérie coincidiu com um revisitar das minhas referências formativas (que estiveram mais próximas do Tio Patinhas que do Homem-Aranha). Perdi a inibição de explorar este filão da infância ao ver o trabalho de outros artistas que, na altura, seguia no Tumblr: pessoas como o Dane Martin ou o Simon Hanselmann, que não tinham vergonha nenhuma de desenhar animais antropomorfizados para contar as suas histórias, tornadas mais desconcertantes pelo uso de uma figuração normalmente associada à infância. Também me aproximei de um registo mais cartoon porque, na altura, andava a ler várias coisas do Osamu Tezuka (…).

O abraçar do mangá e do registo dos funny animals foram, para mim, um momento de libertação gráfica importante. (…) A auto-edição também permite um controlo total sobre a peça acabada. No meu caso, isso significou poder expandir a história com novos episódios.”

Excerto do posfácio de The End Of Madoka Machina, de ANDRÉ PEREIRA, edição Massacre, 2022

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