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J. J. Grandville

(Jean Ignace Isidore Gérard )
(Francês -  Nancy, 1803)

Apresentação

Metamorfoses do Dia

Sendo a Tinta nos Nervos um espaço dedicado ao desenho e artes do livro, chegou o momento de apresentar o trabalho de J.J. Grandville (1803-1847), artista maior na arte de conceber imagens para livros ilustrados, um pioneiro na arte do desenho e sua transposição para a estampa impressa incrementando o interesse pela narrativa gráfica, um caricaturista de génio inventivo e olhar arguto sobre as contradições da sociedade do seu tempo. Foi contemporâneo de escritores como Alexandre Dumas ou Honoré de Balzac com quem colaborou, de artistas como Honoré-Victorien Daumier ou Charles Philipon, também este jornalista e fundador de publicações como La Caricature onde Grandville participou.

E apesar de citado por tantos artistas posteriormente como influencia maior dos seus trabalhos (com particular destaque para o movimento surrealista que o teve como um referente), a verdade é que o seu trabalho permanece relativamente pouco conhecido junto do público, especialmente fora de França.

Jean-Ignace-Isidore Gérard nasceu em Nancy, no seio de uma familia de artistas. O avô era um homem do teatro actuando sob o nome Grandville, apelido que Jean Ignace Isidore adopta, o pai pintor miniaturista, ou seja um pintor de retratos de pequena escala e fácil transporte. É com ele, auxiliando-o no seu ofício, que vai ganhando mão para o desenho e pintura e o exercício de representação de pessoas se começa a transmutar em metamorfoses diversas. A imageria que desenvolve e a transformação zoomórfica de tipologias humanas da sociedade de então granjeia-lhe um lugar particular. As características animalescas reforçam os traços de personalidade de quem se representa, não são os animais que se personificam, são os humanos que se bestializam para que se veja melhor aquilo que por vezes a realidade ofusca. A influencia da gravura inglesa e dos autores e caricaturistas franceses são fulcrais na formação dos seus interesses, mas é a ida para Paris e o contacto com a vida e personagens da capital que adensa em pleno essas experiências gráficas.

Outro aspecto foi absolutamente determinante, o fascínio que desenvolve pela ainda recente técnica da litografia e a capacidade de se multiplicarem imagens tendo como origem um desenho, a lápis (um riscador mais gorduroso mas mais próximo do desenho em papel), que podia ser feito ou transposto directamente na ou para a pedra preparada para o efeito. Muitos dos artistas deste período são igualmente litógrafos ou dependem destes para que os seus desenhos alcancem a sua forma final. É por isso este um momento em que os ateliers de impressão ganham particular relevo, tal como o trabalho subsequente de pintura manual das imagens impressas.

Para conhecer o trabalho de Grandville é preciso mergulhar nesse longo trabalho de produção do livro ilustrado, feito a várias mãos e a vários tempos. Grandville é o criador das imagens, o desenhador exímio posteriormente também litografo.

Grandville era exigente com os artistas que faziam a transposição dos seus desenhos para as matrizes a usar. O seu traço deveria reproduzir da forma mais fiel possível o registo original. As contingências da técnica e o desejo de reprodutibilidade superavam a unicidade do desenho. A estampa era o objectivo e com ela, chegar em maior número e mais longe.     

As suas imagens ilustraram os Contes de Perrault, as Fables, de la Fontaine, Les aventures de Robinson Crusoé, Les Voyages de Gulliver. Mas deram igualmente expressão aos seus próprios escritos e projectos como Scènes de la vie privée et publique des Animaux, Un autre monde ou Les Métamorphoses du jour.

São as estampas de Metamorphoses du Jour que a Trinta nos Nervos apresenta agora em exposição. A edição original, datada de 1828/9, impressa com as litografias do artista e foi um sucesso de circulação. Em álbum ou desmembradas estampa a estampa, as imagens tiveram uma recepção extraordinária junto dos públicos o que a tornou uma raridade nos dias de hoje e conduziu praticamente desde então a uma série de edições posteriores. Duas das mais importantes e com maior circulação foram as edições de 1854 e 1869, a primeira editada por Gustave Havard e a segunda por Garnier Frères ambas impressas pela mesma tipografia de Jules Claye. Ao contrário da edição original, as gravuras foram reproduzidas a partir de matrizes de madeira, gravadas fiel e cuidadosamente a partir das imagens de Grandville por artistas como Henri-Théophile Hildebrand, Eugène Mouard, Henri Désiré Porret, Noël Eugène Sotain e Auguste Trichon cujos nomes assinam igualmente as imagens. Os textos, esses, pertencem a Albéric Second, Louis Lurine Clément Caraguel, Taxil Delor, H. Beaulieu, Louis Huart, Charles Monselet, Julien Lemer, precedidos de uma noticia de Charles Blanc.

Sendo a presente edição datada de 1869 acrescenta às 70 litografias originais o frontespicio igualmente ilustrado como que abrindo palco às cenas que se seguem, guiados pela figura grotesca de um homem macaco. As legendas de cada uma são extensas e numeradas, pontuando os textos de diferentes autores que a folha de rosto anuncia serem curiosamente ilustrações das imagens de Grandville. Estampa a estampa encontram-se burgueses, homens das finanças, senhoras de alta sociedade, criaturas de trabalho árduo. E todos se encontram transmutados na caracterização dessas suas actividades e situações quotidianas. São porcos, lesmas, caracóis, gansos, escaravelhos, gatos..

Esta mostra que nasceu da vontade em recuperar e preservar as estampas de um livro que se encontrava desmembrado, truncado e constitui também para o publico agora uma oportunidade para ver e partilhar o trabalho gráfico deste um autor único.


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