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Pedro Zamith

(Português -  1971)

O irresistível passeio, pela cidade de Lisboa, do Dr. Garuda e seus amigos.


Esta exposição nasce de uma proposta de Pedro Zamith para trabalhar a partir de objectos expostos no Museu da Marioneta para sobre eles acrescentar um discurso artístico, deslocalizado na galeria da Tinta nos Nervos. Não se trata de um trabalho documental no sentido estrito do termo ou de mera reprodução de um conjunto de peças já de si fruto do trabalho artístico, mas sim do abrir a porta a um discurso paralelo, passível de ser gerado pela criação de uma renovada iconografia e enredos biográficos.
Um vai e vem que se pretende gerar entre Galeria e Museu, conduzido por Pedro Zamith, que encontrou, na cidade de Lisboa, o palco perfeito para o deambular de estranhas personagens.

Artista com uma prática multimédia muito versátil na experimentação do desenho, Pedro Zamith tem articulado, na sua pesquisa, territórios referenciais informados, devedores de um interesse pelos rumos criativos da contemporaneidade, seja no campo das artes plásticas, da imagem em movimento e novos média (em que se inscreve com particular destaque o cinema), seja no do desenho, da ilustração ou da banda desenhada.

Sendo assim o desenho origem e fundamento dos projectos que leva a cabo, atravessando outras técnicas e suportes, Zamith apresenta na Tinta nos Nervos uma escultura, uma tela e um conjunto de pinturas sobre papel, inéditas e concebidas especialmente para a exposição. 

O ponto de partida para este trabalho foram as colecções e peças expostas no Museu Nacional da Marioneta de que o artista é frequentador assíduo, aliando a prática artística à uma prática lectiva, de reflexão sobre os objectos e os lugares da arte.

Pode dizer-se que máscaras e marionetas, pela significância das fisionomias e energia das formas, se conjugam plenamente com o vocabulário plástico experimentado por Zamith, caracterizado pelo exagero que coloca nas expressões da sua figuração, nas emoções que revelam ou nas torções dos corpos elásticos postos em acção.

A ideia de apropriação dos objectos musealizados foi motivada exactamente por valores relacionados com a presença de algumas peças, a sua compleição ímpar, a ideia de que foram utilizadas em contexto pré museológico como expressão cultural de diferentes povos e países.

No conjunto exposto na Tinta nos Nervos, acrescenta-se um nível de leitura a esses antes enunciados: o de um trabalho de projecção e imaginação de identidades visuais e biográficas sobre os objectos, recriados através de outras linguagens plásticas. Nesta proposição transformadora, não interessa já o que significam ou quem são, não se trata de qualquer relato antropológico ou documental, mas antes de uma ampliação da fantasia, um exercício artístico de citação e construção de discurso em que o referencial, sendo um objecto real, revive em tudo o que para lá dele se edifica, na representação. Ao suscitar a ideia de que houve acontecimentos decorridos fora do museu entramos no domínio da ficção, em que essas situações são, na realidade, apenas visíveis, no espaço galerístico.

A visita encontra aqui três momentos distintos.

Num primeiro, é confrontada com uma galeria de estranhas criaturas. São rostos nascidos das máscaras vistas, em que a evidência de uma semelhança descritiva com os originais que serviram de referente se dilui no exercício de distanciação que leva a que o artista mentalmente reconstitua o que viu. O que lhe chamou a atenção. Num outro tempo. Uma espécie de galeria de espelhos em que todos aqueles poderíamos ser nós enquanto outros inventados.

Num segundo momento, as bizarras entidades tomam o palco, poderiam aludir aos espectáculos de marionetas erguendo-se, agora agrestes, numa teia de relações onde erudito e popular se mesclam. Uma diabólica figura de varas traz a cena a história de Salomé e São João Baptista cuja cabeça ali pousa num prato. Ou não será bem assim? Não é ele? Houve crime, na rua da Esperança? Quem foi? As figuras, lançadas vigorosamente a tinta preta sobre grandes folhas de papel, são iluminadas de modo teatral. Podemos não saber o enredo, mas que algo se passa, passa.

E não apenas na galeria, mas por toda a cidade de Lisboa.

O terceiro momento envolve o espectador num delírio narrativo ancorado em quadros-janela intensamente coloridos. Neles, os objectos inanimados insuflaram-se de características próprias. Aqui, não são já máscaras ou marionetas, são criaturas viventes de pleno direito, antropomorfizadas nos gestos, no vestuário. Também não são divindades ou demónios. São andarilhos do mundo que se cruzam agora por Lisboa. Vindos de outras geografias (ou apenas do final da rua?), de diferentes tempos. Correspondem ao mais puro exercício de contar uma história. Do hipotético como motor do enredo. Quem seria esta figura se existisse por aí? O que iria ver? Em que tempo viveria? Garuda poderia ser uma criatura mitológica, mas poderia ser, ao invés, um distinto pedagogo e lente, apanhado de surpresa ao atravessar a rua frente à casa dos bicos. D. Mahákola por sua vez, chegou ao Hotel Ritz em plenos anos setenta para repor energias e afastar doenças e males atávicos. A selfie pintada na tela marca o momento em que todos se encontraram, num dia em que passeavam pela cidade de Lisboa.

O título que nomeia esta exposição, intencionalmente longo e rocambolesco, reforça a convergência de argumentos. Podiam ser estas as histórias. Ou outras. 

Mas uma pergunta impõe-se: estes mascarados não mascarados, saíram das vitrines e do museu ou nunca lá estiveram?


Veja o CV da artista aqui:

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Pedro Zamith

(Portuguese – 1971)

The irresistible tour, in the city of Lisbon, by Dr. Garuda and his friends.


This exhibition comes from a Pedro Zamith's proposal to work with objects exhibited at the Museu das Marionetas (Puppet Museum) adding an artistic interpretation over them, and moving them to Tinta nos Nervos gallery

It is not a documentary work in the strict sense of the term or a mere reproduction of a set of pieces, but the result of the work of the artist, opening the door to a parallel discourse, capable of being generated by the creation of a renewed iconography and biographical plots.

A back-and-forth that is intended to be generated between the Gallery and the Museum, led by Pedro Zamith, who found, in the city of Lisbon, the perfect stage of roaming of these strange characters.

Artist with a multimedia versatile practice when experimenting with drawing, Pedro Zamith has been articulating, in his research, informed referential territories, debtors of an interest in the creative directions of contemporaneity, whether in the field of plastic arts, the moving image and new media (in which it is inscribed with particular emphasis on cinema), whether in drawing, illustration or comics.

Therefore, drawing is the foundation of the projects it carries out, crossing other techniques and supports, Zamith presents in Tinta nos Nervos a sculpture, a canvas and a set of paintings on paper, unpublished and conceived especially for this exhibition.

The starting point for this work were the collections and pieces exhibited at the Museu Nacional da Marioneta that the artist is an assiduous visitor, combining the artistic practice with a teaching, of reflection on the objects and places of art.

It can be said that the significance of the physiognomies and energy of the forms from the masks and puppets, is fully conjugated with the plastic vocabulary experimented by Zamith, characterized by the exaggeration that he places in the expressions of his figuration, in the emotions that reveal or in the twists of elastic bodies put into action.

The idea of appropriation of museum objects was motivated exactly by values related to the presence of some pieces, their unique complexion, the idea that they were used in a pre-museum context as a cultural expression of different peoples and countries.

In the set exposed in Tinta nos Nervos, a reading level is added to those previously stated: that of projecting and imagining visual and biographical identities on objects recreated through other plastic languages. in this transformative proposition, it doesn't matter what they mean or who they are, it's not about any anthropological or documentary account, but rather an expansion of the fantasy, an artistic exercise in citation and speech construction in which the referential, being a real object, revives in everything that is built beyond it. By raising the idea that there have been events that have taken place outside the museum we enter the realm of fiction, where these situations are, in reality, only visible, in the gallery space.

The visit finds here three different moments.

First, it is confronted with a gallery of strange creatures. They are faces born from the masks seen, where evidence of a descriptive similarity to the originals that served as reference is diluted in the exercise of distancing that leads the artist to mentally reconstruct what you saw. What caught his attention. In another time.

A kind of gallery of mirrors where all those could be us while others invented.

In a second moment, the bizarre entities take the stage, alluding to puppet shows, rising now wildely, in a web of relationships where erudite and popular merge. A devilish Asian stick figure brings the story of Salomé and Saint John the Baptist whose head rests there on a plate. or not quite so? It's not him? Was there a crime on Rua da Esperança? Who was it?

The figures, vigorously cast black ink onto large sheets of paper, are theatrically lit. We may not know the plot, but that something is going up.

And not just in the gallery, but for the entire city of Lisbon.

The third moment involves the spectator in a delirious narrative anchored in intensely colorful “window-paintings”. In them, inanimate objects were inflated with its own  characteristics. Here, they are no longer masks or puppets, they are living creatures, anthropomorphized in gestures, in clothing. They aren’t deities or demons. They are wanderers of the world who are now crossing Lisbon. Coming from other geographies (or just down the street?), from different times. They correspond to the purest exercise of telling a story. From the hypothetical as a plot engine. Who would this figure be if it existed out there? What would you see? In what epoque ? Garuda could be a mythological creature, but it could be, also, a distinguished pedagogue and lens, taken by surprise as he crossed the street in front of Casa dos Bicos. D. Mahakola, in turn, arrived at the Ritz Hotel in mid-seventies to replenish energy and ward off diseases and atavistic illness.

The selfie painted on the canvas marks the moment when everyone met, on a day where they strolled through the city of Lisbon.

The title that names this exposition, intentionally long and rocambolesque, reinforces the convergence of arguments. These could be the stories. or not.

But a question remains: these masked unmasked, left the museum or they have never been there?



See artist’s CV 
here.


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