INTRUSIONS
AUBE BRETON ELLÉOUËT
(Francesa - Paris, 1935)Convém visualizarmos sempre a artista, autora destas obras, como alguém cujo percurso de vida a levou a atravessar oceanos, a contactar figuras que agora pertencem ao registo da História da Arte universal, mas que, ao mesmo tempo, nos ‘desarma’ pela candura dos olhos, pequenos e brilhantes, continuamente a sorver e a processar o mundo ao seu redor.
Esta intrusão, feita de muitas outras - como é traço característico da arte em geral e da corrente surrealista em particular – avança agora para Lisboa a largos passos.
As obras escolhidas tocam, de forma pertinente, em questões como a vida e a nossa relação com o universo, a natureza e o feminino. E tocam ainda, de uma forma muito pura, o tema do amor e das relações humanas.
Desde 1970, Aube Breton Elléouët (que se instalou em Saché, na região de Tours, perto de Alexander Calder, com o seu marido Yves Ellëouêt, pintor e escritor falecido em 1975), faz collages com cartões postais, cartas de jogo, imagens de livros e de revistas que encontra em vendas de garagem e alfarrabistas. Descontextualizadas, essas imagens do passado, por vezes ligadas ao mundo da infância, produzem nas collages de Aube Breton Ellëouêt um efeito poético impregnado de humor.
As suas temáticas preferidas são, entre muitas outras: ‘Fantômas’ (uma personagem de romance e de banda desenhada), as corujas, as cartas de jogo, as luzes, o mar, a espuma, os planetas, os olhos...
Feminista, ela adora prestar homenagem às mulheres artistas como Frida Kahlo, em casa de quem passou um ano, em 1943, juntamente com a sua mãe Jacqueline Lamba, também mulher artista plástica que, no entanto, teve uma carreira de notoriedade mais reservada.
De referir que, desde 2003, Aube Breton Elléouët , graças à Collection Phares, da editora Seven Docs, onde é directora e produtora adjunta, divulga o percurso e o trabalho dos artistas surrealistas, principalmente constituído por homens do círculo do seu pai, André Breton - co-fundador, líder e principal teórico do movimento surrealista – mas que, ao mesmo tempo, nos faz descobrir em grande parte obras de artistas mulheres do surrealismo, que frequentemente são menos divulgadas: Dora Maar, Alice Rahon, Toyen, Kay Sage, Claude Cahun, Dorothea Tanning, etc.
Através das suas collages, Aube Breton Elléouët cria a sua própria linguagem poética, impregnada de romantismo, revelando por vezes o lado subversivo dos seus sonhos. Imersa num mundo onírico desde a sua infância, alguns dos seus quadros, compostos de imagens coladas, revelam uma cena insólita.
«O encanto das suas collages reside no facto de que, as mesmas não parecem já colagens, de tão naturais são os encontros entre os elementos heterogéneos.» Michel Leiris, crítico de arte e escritor francês.
Dedicando cada vez mais tempo aos seus trabalhos, Aube Breton Elléouët conseguirá a sua primeira exposição em 1974. E, em 1977, expõe na Galeria Triskele, em Paris
Entretanto as exposições sucedem-se, tanto em França como no estrangeiro (Inglaterra, Espanha, Suíça, Estados Unidos...). Em 1991 participa na FIAC e, posteriormente, também na Art Basel na Suíça, e na Arco em Espanha...
Em 1992, ela abre uma exposição em Tóquio.
O livro Aube Breton Elléouët – collages foi publicado em 2017 pelas edições Artes Graficas Palermo.
A Terra e a Lua, a dupla máscara (teatral), o sagrado/místico e o profano, (con)vivem numa dinâmica constante entre a Luz e a escuridão. Nas collages de Aube Breton Elléouët , todos os elementos geram e gerem, em sobreposição, um discurso naturalista (no sentido pró-natureza), universalista (tanto no sentido planetário como no sentido pluralista e na diversidade), promovendo uma consciência colectiva que, pela coerência do percurso discursivo da artista desde os anos 70 do século XX, não pode ser confundido como mero encosto à ‘agenda temática’ do momento. Pelo contrário, a artista, através das suas obras, dá voz - perene, pertinente e consciente – à urgência da harmonia existencial e civilizacional, convocando-nos ao confronto com a nossa própria contemporaneidade.
‘Intrusion’, oui, pourquoi pas?... (Frase da artista no momento de dar o título à exposição)
De facto, esta ‘intrusão’ é algo que, na sua essência, coloca qualquer coisa dentro de nós, mesmo que de uma forma involuntária. Mas cuja mensagem contém, em si mesma, a emergência do autoquestionamento sobre nós próprios e a relação com os outros, bem como reflete a busca constante pelo nosso lugar no puzzle universal.
As dimensões e formatos de cada obra variam, não deixando assim o olhar do observador formatar-se à geometria do confinamento, espacial ou intelectual.
O percurso expositivo, composto por cerca de 21 colagens, e um objecto tridimensional, deambulam pelo espaço da galeria de forma onírica, surrealista, levando-nos a navegar por oceanos, tão inusitados como familiares.
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